domingo, 8 de fevereiro de 2015

DIREITO DE FAMÍLIA: Alimentos II

Neste estudo, veremos quem são as duas partes numa relação de alimentos.

Os alimentos decorrentes de direito de família são entre:

a) Parentes
b) Cônjuges
c) Companheiros

Conforme nós vimos no artigo 1.694 do Código Civil, existe reciprocidade no pedido de alimentos entre as partes, senão vejamos:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

Vejamos cada um:

A) Relação de Parentesco:

- Consanguíneo ou biológico = é quando há vínculo sanguíneo e genética entre os parentes.
- Afinidade = é em relação aos parentes do cônjuge. Ex.: sogro/a; cunhado/a; genro/nora; enteado/a.
- Civil = é quando há adoção, por exemplo.
- Sócioafetivo = quando há afetividade entre pessoas aparentando parentes. O parentesco por sócioafetividade não está previsto na lei e nem na doutrina, mas o STF tem reconhecido.

Não há possibilidade de obrigação alimentar entre os afins. O genro jamais pagaria pensão alimentícia para sogra, por exemplo.

Mas há obrigação alimentar entre os consanguíneos e a relação civil.

Segundo o artigo 1.696 do Código Civil:

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Há reciprocidade no pedido de alimentos entre pai e filho. Primeiro, o filho pede alimentos para o pai, se este não puder, depois pede para o avô. Ou seja, na falta do pai, o filho pode pedir para o avô.

Não havendo ascendentes, o filho deve pedir para seus descendentes. Faltando também os descendentes, deve pedir aos irmãos, conforme o artigo 1.697 do Código Civil:

Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.

Nota-se que os irmãos são tanto bilaterais quanto unilaterais. Ou seja, filhos do mesmo pai e mãe ou filhos do mesmo pai ou da mesma mãe.

Então, a ordem vocacional de alimentos que é diferente da sucessória, deve ser assim:

1º - Ascendentes 
2º - Descendentes
3º - Colaterais (Irmãos)

Há alguns doutrinadores como Maria Berenice Dias que entendem que o pedido de alimentos são extensíveis aos tios também, embora o artigo 1.697 fale até aos irmãos, porque os tios ou sobrinhos também podem ser herdeiros como colaterais e quem usufrui do bônus deve arcar com o ônus. A crítica é: eles podem herdar, mas não podem pagar pensão?!

Contudo, no artigo 1.698 do Código Civil, quando um parente chamado para a obrigação alimentar não estiver em condições totalmente de suportar o encargo, os parentes de grau imediato poderão ser chamados.

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

Enfim, o artigo 1.698 prevê a possibilidade da obrigação subsidiária e complementar. Porém, a pessoa que pede os alimentos primeiro deve pedir ao seu pai ou sua mãe, se quem deve prestar os alimentos não puder pagar o mínimo necessário para sobreviver, uma nova ação poderá ser ajuizada face aos avós para complementar o necessário. É o chamado pensão avoenga.

É possível também o litisconsórcio passivo entre pai e avô quando houver indícios de que o pai não tem condições para o mínimo necessário em tutela de urgência. Mas, deve-se respeitar a ordem vocacional, ou seja, primeiro sempre é o pai quem deve ser passivo da relação de pedido de alimentos.

Há uma exceção em relação aos idosos, pois no estatuto do idoso (Lei 10.741/2003) em seu artigo 12, é possível a obrigação solidária, ou seja, o idoso pode escolher qualquer um.

Art. 12A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores.

Em suma, os alimentos para:

- Parente com menos de 60 anos de idade = obrigação subsidiária
- Parente com mais de 60 anos de idade = obrigação solidária

Quanto ao parentesco de relação civil a mesma regra da consanguinidade lhe é aplicada. Porque a própria Constituição vedou qualquer discriminação entre filhos havidos no casamento ou não, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações, conforme artigo 227, §6º, da Constituição Federal combinado com o artigo 1.596 do Código Civil:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
[...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Portanto, o filho adotivo tem os mesmos direitos e qualificações em relação a um filho consanguíneo. Da mesma maneira, os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, ou seja, material genético de um terceiro desde que autorizado pelo marido, conforme artigo 1.597, inciso V, do Código Civil:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:
[...]
V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

E, por fim, a relação de parentesco por socioafetividade, sem previsão legal alguma, embora aceita nos tribunais superiores, é possível o pedido de alimentos desde que muito bem fundamento quando há nome, tratamento, fama e até mesmo afetividade.

Para isso, deve-se provar três requisitos:

1 - Nome = tem que haver o registro no nome, antes da negativa da paternidade.
2 - Tratamento = trataram-se como pai e filho.
3 - Fama = no meio público

É até possível quando não há o nome, ou o registro, demonstrando a afetividade, tratamento e a fama pública, mas em regra deve haver os três requisitos acima. Talvez os alimentos por socioafetividade tem ganhado adepto nos tribunais por causa do princípio da dignidade da pessoa humana, mas obrigação não há nenhuma devido à falta de vínculo.

B) Relação de cônjuges:

É o casamento é a sociedade conjugal que pode ser dissolvida pelo divórcio. Marido e mulher, provando necessidade alimentar, podem pedir alimentos um ao outro, conforme a reciprocidade prevista no artigo 1.694 do Código Civil.

C) Relação de Companheiros:

É a união estável entre companheiros configurada pela convivência pública, contínua e duradora com o objetivo de constituir família, sem exigência alguma de tempo para configurá-la.

Assim diz o artigo 1.723 do Código Civil:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Porém, como visto no artigo anterior (Alimentos I), a ação de alimentos é uma ação de provas pré-constituídas, ou seja, para pensão alimentícia para companheiros é preciso da escritura pública de união estável.

Quem não tiver a escritura pública de união estável registrada em cartório, não poderá ajuizar ação de alimentos. A ação competente seria a ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Havendo urgência na prestação alimentar como fumus boni iuris e periculum in mora, uma ação cautelar de alimentos provisionais poderá ser ajuizada tendo em vista que a ação principal é a de reconhecimento e dissolução de união estável. 

Quem não registra a união estável em cartório pode ter dor de cabeça caso necessite de alimentos, embora seja possível conseguir os alimentos na justiça, mas dependerá de provas.

Em conclusão, conforme artigo 1.694 do Código Civil, o direito de pedir alimentos é recíproco entres parentes, cônjuges e companheiros. Em relação aos parentes, o pedido deve ser entre ascendentes e descendentes, na falta de ambos, o pedido é direcionado aos colaterais como irmãos desde que haja consanguinidade ou uma relação civil de adoção por exemplo. 


Felipe Rafael de Paula

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O Dia a Dia da Profissão I


Nesta semana ocorreram duas coisas interessantes que gostaria de compartilhar com vocês. Trata-se de um pedido de desculpa de um juiz na sentença e um atendimento que dei a uma possível cliente.

Começando pela possível cliente, esta me procurou dizendo que era empregada doméstica, que além do salário registrado em carteira havia também o recebimento do famoso "por fora". Ela estava em negociação com a CAIXA para financiamento de imóvel, mas, para isso, precisava que o "por fora" fosse registrado em carteira para comprovação de renda.

Ela solicitou a alteração em sua CTPS, mas sua empregadora recusou dizendo que haveria uma despesa a maior caso alterasse em relação aos meses pagos (por fora).

Com isso, ela não conseguiu o financiamento do imóvel.

Temos violação dos direitos dessa senhora. É direito dela receber o valor correto em carteira. Além de constituir uma sonegação fiscal (valor de contribuição menor ao INSS), houve também uma perda de oportunidade por não ter conseguido o financiamento, ou seja, um dano moral.

Enfim, ela toda chateada queria uma medida judicial. Embora seja possível buscar na justiça a solução dos problemas, por que não conversar para resolver extrajudicialmente?

Assim diz a Constituição Federal de 1988 a respeito dos advogados:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

O advogado jamais deve usar a máquina pública com causas inúteis e tampouco consideradas aventuras jurídicas. Não que o caso dessa senhora seja isso, mas se você pode resolver sem o auxílio da justiça para quê litigar?

É verdade que o ganha pão do advogado é litígio, mas se todos cumprissem seu papel de administrador da justiça talvez teríamos uma justiça um pouco mais acessível em sua celeridade.

Orientei-a a conversar com sua empregadora para que alterasse o valor salarial em sua CTPS como se fosse uma alteração salarial. Caso fosse alterado, que ela tentasse novamente o financiamento. Os meses passados, embora poucos, disse a ela que tem todo o direito de ajuizar uma reclamatória trabalhista em razão dos reflexos, mas esse valor de reflexo que não é tão considerável não a deixaria nem mais pobre e nem mais rica. Então, vale a pena? Ela disse que não. Eu disse: "Então, faça isso! Você continua com o emprego, com os direitos estabelecidos e ainda consegue o financiamento! Caso dê tudo errado você me fala para as providências legais!"

Hoje ela me ligou agradecendo toda feliz como se eu tivesse resolvido o problema da Palestina e Israel. Ou seja, problema resolvido sem o auxílio da justiça.

Não sou doutrinador e nem PH.D. neste universo do direito, mas acho que isso é administrar a justiça!

Petições prolixas e demasiadamente longas só atrapalham o judiciário também. O advogado deve ser objetivo em suas inciais, ou seja, o razoável para iniciais cíveis devem ter no máximo entre 10 ou 12 páginas e reclamatórias trabalhistas 5 ou 7 páginas.

Para quê mencionar várias jurisprudências, doutrinas e texto de lei? Basta mencionar o artigo tal da lei tal. Porventura, o juiz não conhece o direito (iura novit curia)?

Vejamos este despacho de um juiz reclamando de petições longas (TJRN - Processo nº: 0100222-69.2014.8.20.0125):

"Segundo a Unesco um texto de 49 páginas ou mais é um livro. Esta petição inicial é, pois, um livro . O notório excesso de trabalho desta Vara não permite ler livros inteiros durante o expediente. 

Ademais, tudo o que fora dito cabe num vigésimo ou menos das páginas que o autor escreveu. Não é possível assegurar a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII CF) sem a indispensável colaboração dos advogados (CF, art. 133). O tempo que o juiz gasta lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outros processos. Portanto, a prolixidade da inicial desrespeita entre outras coisas: a) a diretriz constitucional da celeridade (CF art. 5º LXXVII e art. 125 do CPC); b) o princípio da lealdade (art. 14, II, do CPC), porque prejudica desnecessariamente a produtividade do Poder Judiciário, e c) o dever de não praticar atos desnecessários à defesa do direito (art. 14, IV, do CPC). 

Ademais, forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas, de páginas supérfluas é uma estratégia desleal para encurtar o prazo de defesa. Há claro abuso do direito de petição por parte do autor, ato ilícito (art. 187 do CC/02), que o juiz está obrigado a inibir (art. 125, I e III, e art. 129 do CPC).

Enfim a prolixidade do autor contradiz a alegação de necessidade de urgência da tutela, afinal de contas, quem tem pressa não tem tempo de escrever dezenas de laudas numa petição, cujo objeto poderia ser reduzido há pelo menos 20% do total escrito. Isto posto, concedo à parte autora 10 dias para emendar a inicial, reduzindo-a a uma versão objetiva com a extensão estritamente necessária, sob pena de indeferimento da inicial." 

Por outro lado, é notável a precariedade, morosidade e insuficiência do Poder Judiciário. Processos que duram 10 anos ou mais com várias possibilidades recursais deixam qualquer cidadão insatisfeito com a prestação jurisdicional.

Em razão da morosidade e falta de estrutura, outro juiz se personificou na pessoa do Estado e resolveu pedir desculpas para as partes (TJMG - 002408183552-2):

"Primeiramente, registro aqui o quanto lamentamos, profundamente, pelo fato de só hoje podermos nos pronunciar nestes autos, decorridos mais de um ano que os mesmos estavam no sistema com movimentação de conclusos ao juiz.

Mas este juiz entrou em exercício nesta 6ª Vara Cível em 28.01.2013.

Diante disso, nada razoável nos ser exigido despachar, decidir ou sentenciar processos em tempo real, em face da enorme quantidade existente, na data mencionada, inclusive no chão, que encontramos espalhada pelo gabinete, sala de audiências e sala da assessora (mais de cinco mil).
Infelizmente, levaremos muito tempo para pelo menos tentar minimizar essa gravíssima situação, na medida em que, mesmo trabalhando numa jornada de oito horas diárias, nos é possível, com atenção e responsabilidade, despachar, decidir e sentenciar numa média mensal de 800 (oitocentos). Enquanto isso, novas ações são ajuizadas numa média mensal de 200 (duzentos). E, como se isso não bastasse, esse tempo deve ser dividido com aquele destinado às audiências.
De qualquer forma, falando em nome do Estado, sinto-me na obrigação de pedir desculpas aos nossos jurisdicionados, dos quais é exigido o pagamento em dia de seus impostos, quando, lado outro, o retorno estatal vem com expressiva e desrespeitosa demora."

Enfim, meus amigos, embora sejamos administradores da justiça, o seu bom uso ainda é insuficiente para um Judiciário ideal diante da falta de interesse do poder público. Não adianta empurrar a responsabilidade para os "administradores", a maior fatia dessa responsabilidade ainda é do Estado.

Felipe Rafael de Paula