quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O Dia a Dia da Profissão I


Nesta semana ocorreram duas coisas interessantes que gostaria de compartilhar com vocês. Trata-se de um pedido de desculpa de um juiz na sentença e um atendimento que dei a uma possível cliente.

Começando pela possível cliente, esta me procurou dizendo que era empregada doméstica, que além do salário registrado em carteira havia também o recebimento do famoso "por fora". Ela estava em negociação com a CAIXA para financiamento de imóvel, mas, para isso, precisava que o "por fora" fosse registrado em carteira para comprovação de renda.

Ela solicitou a alteração em sua CTPS, mas sua empregadora recusou dizendo que haveria uma despesa a maior caso alterasse em relação aos meses pagos (por fora).

Com isso, ela não conseguiu o financiamento do imóvel.

Temos violação dos direitos dessa senhora. É direito dela receber o valor correto em carteira. Além de constituir uma sonegação fiscal (valor de contribuição menor ao INSS), houve também uma perda de oportunidade por não ter conseguido o financiamento, ou seja, um dano moral.

Enfim, ela toda chateada queria uma medida judicial. Embora seja possível buscar na justiça a solução dos problemas, por que não conversar para resolver extrajudicialmente?

Assim diz a Constituição Federal de 1988 a respeito dos advogados:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

O advogado jamais deve usar a máquina pública com causas inúteis e tampouco consideradas aventuras jurídicas. Não que o caso dessa senhora seja isso, mas se você pode resolver sem o auxílio da justiça para quê litigar?

É verdade que o ganha pão do advogado é litígio, mas se todos cumprissem seu papel de administrador da justiça talvez teríamos uma justiça um pouco mais acessível em sua celeridade.

Orientei-a a conversar com sua empregadora para que alterasse o valor salarial em sua CTPS como se fosse uma alteração salarial. Caso fosse alterado, que ela tentasse novamente o financiamento. Os meses passados, embora poucos, disse a ela que tem todo o direito de ajuizar uma reclamatória trabalhista em razão dos reflexos, mas esse valor de reflexo que não é tão considerável não a deixaria nem mais pobre e nem mais rica. Então, vale a pena? Ela disse que não. Eu disse: "Então, faça isso! Você continua com o emprego, com os direitos estabelecidos e ainda consegue o financiamento! Caso dê tudo errado você me fala para as providências legais!"

Hoje ela me ligou agradecendo toda feliz como se eu tivesse resolvido o problema da Palestina e Israel. Ou seja, problema resolvido sem o auxílio da justiça.

Não sou doutrinador e nem PH.D. neste universo do direito, mas acho que isso é administrar a justiça!

Petições prolixas e demasiadamente longas só atrapalham o judiciário também. O advogado deve ser objetivo em suas inciais, ou seja, o razoável para iniciais cíveis devem ter no máximo entre 10 ou 12 páginas e reclamatórias trabalhistas 5 ou 7 páginas.

Para quê mencionar várias jurisprudências, doutrinas e texto de lei? Basta mencionar o artigo tal da lei tal. Porventura, o juiz não conhece o direito (iura novit curia)?

Vejamos este despacho de um juiz reclamando de petições longas (TJRN - Processo nº: 0100222-69.2014.8.20.0125):

"Segundo a Unesco um texto de 49 páginas ou mais é um livro. Esta petição inicial é, pois, um livro . O notório excesso de trabalho desta Vara não permite ler livros inteiros durante o expediente. 

Ademais, tudo o que fora dito cabe num vigésimo ou menos das páginas que o autor escreveu. Não é possível assegurar a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII CF) sem a indispensável colaboração dos advogados (CF, art. 133). O tempo que o juiz gasta lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outros processos. Portanto, a prolixidade da inicial desrespeita entre outras coisas: a) a diretriz constitucional da celeridade (CF art. 5º LXXVII e art. 125 do CPC); b) o princípio da lealdade (art. 14, II, do CPC), porque prejudica desnecessariamente a produtividade do Poder Judiciário, e c) o dever de não praticar atos desnecessários à defesa do direito (art. 14, IV, do CPC). 

Ademais, forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas, de páginas supérfluas é uma estratégia desleal para encurtar o prazo de defesa. Há claro abuso do direito de petição por parte do autor, ato ilícito (art. 187 do CC/02), que o juiz está obrigado a inibir (art. 125, I e III, e art. 129 do CPC).

Enfim a prolixidade do autor contradiz a alegação de necessidade de urgência da tutela, afinal de contas, quem tem pressa não tem tempo de escrever dezenas de laudas numa petição, cujo objeto poderia ser reduzido há pelo menos 20% do total escrito. Isto posto, concedo à parte autora 10 dias para emendar a inicial, reduzindo-a a uma versão objetiva com a extensão estritamente necessária, sob pena de indeferimento da inicial." 

Por outro lado, é notável a precariedade, morosidade e insuficiência do Poder Judiciário. Processos que duram 10 anos ou mais com várias possibilidades recursais deixam qualquer cidadão insatisfeito com a prestação jurisdicional.

Em razão da morosidade e falta de estrutura, outro juiz se personificou na pessoa do Estado e resolveu pedir desculpas para as partes (TJMG - 002408183552-2):

"Primeiramente, registro aqui o quanto lamentamos, profundamente, pelo fato de só hoje podermos nos pronunciar nestes autos, decorridos mais de um ano que os mesmos estavam no sistema com movimentação de conclusos ao juiz.

Mas este juiz entrou em exercício nesta 6ª Vara Cível em 28.01.2013.

Diante disso, nada razoável nos ser exigido despachar, decidir ou sentenciar processos em tempo real, em face da enorme quantidade existente, na data mencionada, inclusive no chão, que encontramos espalhada pelo gabinete, sala de audiências e sala da assessora (mais de cinco mil).
Infelizmente, levaremos muito tempo para pelo menos tentar minimizar essa gravíssima situação, na medida em que, mesmo trabalhando numa jornada de oito horas diárias, nos é possível, com atenção e responsabilidade, despachar, decidir e sentenciar numa média mensal de 800 (oitocentos). Enquanto isso, novas ações são ajuizadas numa média mensal de 200 (duzentos). E, como se isso não bastasse, esse tempo deve ser dividido com aquele destinado às audiências.
De qualquer forma, falando em nome do Estado, sinto-me na obrigação de pedir desculpas aos nossos jurisdicionados, dos quais é exigido o pagamento em dia de seus impostos, quando, lado outro, o retorno estatal vem com expressiva e desrespeitosa demora."

Enfim, meus amigos, embora sejamos administradores da justiça, o seu bom uso ainda é insuficiente para um Judiciário ideal diante da falta de interesse do poder público. Não adianta empurrar a responsabilidade para os "administradores", a maior fatia dessa responsabilidade ainda é do Estado.

Felipe Rafael de Paula

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